A Academia das Ciências de Lisboa publica os discursos de Montero Santalha, Alonso Estraviz e Ângelo Cristóvão como representantes da Galiza

Os três membros galegos são numerários da AGLP e defenderam a Língua Comum ao serem acolhidos na instituição portuguesa

01/07/2024  AGLP

As Memórias da Academia das Ciências de Lisboa Classe de Letras publicam no Tomo XLV, editado este ano, os discursos com os que ingressaram na instituição oficial portuguesa Martinho Montero Santalha, Isaac Alonso Estraviz e Ângelo Cristóvão Angueira, a quem reconhece como académicos correspondentes representantes da Galiza. Os três membros galegos estão entre os pioneiros da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), desde que iniciou o seu andamento em 2008, e no instante de serem acolhidos na Academia das Ciências de Lisboa (ACL) eram presidente, vice-presidente e secretário, respetivamente, da instituição galega. Nos seus três discursos defendem a Língua Comum. Esta publicação inclui-se num volume juntamente com outras comunicações apresentadas nas sessões académicas da Classe de Letras da ACL nos anos 2016 e 2017, e que agora se difundem. Os três representantes da AGLP foram recebidos em 14 de julho de 2016, na sequência do colóquio A Língua Portuguesa na Galiza.

A Galiza é um país de língua portuguesa”

O discurso de Montero Santalha, professor da Universidade de Vigo e primeiro presidente da AGLP, cargo que ostentava na altura do ingresso na ACL, figura nas páginas 187 e 193. Na sua intervenção salienta como se constituiu a AGLP, que foi uma ideia de Ricardo Carvalho Calero (1910-1990, o primeiro catedrático de Linguística e Literatura Galega da Galiza, na Universidade de Santiago de Compostela).

A Galiza é um país de língua portuguesa”, afirma neste trabalho Montero Santalha. Acrescentou que a comunidade galega “fala uma forma de português que os galegos denominam por vezes ‘galego’ ou mesmo ‘língua galega’, e este fator linguístico é, ademais, o principal sinal de identidade coletiva da Galiza como povo diferenciado dentro do Estado Espanhol, no qual se integra como comunidade autónoma, dotada de governo próprio e de amplas competências políticas em diversos campos”. Salientou assim mesmo ser a Galiza um país lusófono, e como “a Galiza guarda ainda uma parte do mais autêntico tesouro do idioma, vivo, não só na sua tradição literária e popular, mas também na fala habitual e no cultivo escrito de muitos galegos”. Para Montero Santalha o português da Galiza apresenta uma situação paradoxal. Esclareceu ao respeito que “As causas que determinam a situação presente do português da Galiza compendiam-se numa: a nossa história plurissecular de dependência com respeito à Espanha, que teve uma consequência no terreno linguístico: o espanhol, apesar de ser originariamente uma língua estrangeira no território galego, foi a única oficial da Galiza durante séculos e até há poucos anos; agora é cooficial juntamente com o português da Galiza, mas segue ainda gozando, de facto, com muitas vantagens sobre a língua nativa”.

Após destacar “a consciência da unidade linguística” galego-portuguesa, Montero Santalha finalizou o seu discurso agradecendo o acolhimento na ACL, e afirmando: “Desejamos e esperamos que no futuro esta irmandade continue e se robusteça cada vez mais com novos contactos e com novas colaborações. Alimentamos a esperança de que, sejam quais forem as circunstâncias político-culturais em que os nossos países se encontrarem, entre todos saibamos achar caminhos e instrumentos que permitam articular essa irmandade superior que é a língua, o que para a Galiza implicará uma participação plena e permanente na comunidade lusófona”. 

 A Lei Paz-Andrade e a política linguística da Galiza

O discurso de Ângelo Cristóvão ocupa as páginas 195-200, subordinado ao título Valentim Paz-Andrade e a Academia Galega da Língua Portuguesa. Põe em destaque as facetas empresarial e cultural de Valentim Paz Andrade (1898-1987), quem deu nome a uma Iniciativa Legislativa Popular aprovada por unanimidade no Parlamento da Galiza no ano 2014 como Lei para o Aproveitamento da Língua Portuguesa e Vínculos com a Lusofonia. Segundo Ângelo Cristóvão, quem foi primeiro secretário da AGLP e que desenvolve também a sua atividade nos campos empresarial e cultural na Galiza atual, a aprovação por unanimidade desta Lei “representa uma mudança significativa na orientação da política linguística e na estratégia global da Comunidade Autónoma, que precisa de concretização através de ações do governo e da imprescindível colaboração da sociedade civil”, segundo salienta no seu discurso. Atribui o “sucesso” da aprovação por unanimidade dessa lei ao “trabalho do Movimento Lusófono Galego e nas mais de 17000 assinaturas de cidadãos que apoiaram a Iniciativa Legislativa Popular Valentim Paz-Andrade”.

Ângelo Cristóvão ressalta a defesa da Língua Comum por parte de Paz-Andrade em plena ditadura franquista; já em 1959, no livro Galicia como Tarea, que ele publicou na altura, em espanhol. Em 1986 integrou, como Vice-Presidente, a Comissão Galega do Acordo Ortográfico “entidade da sociedade civil presidida por Ernesto Guerra da Cal, que participou, em qualidade de observadora, nas reuniões conducentes ao Acordo Ortográfico do Rio de Janeiro, por convite da Academia Brasileira de Letras. Esta presença galega [estiveram Isaac Alonso Estraviz, em representação de Ernesto Guerra da Cal, com José Luís Fontenla e Adela Figueroa] continuou nas reuniões que conduziram ao acordo de 1990, aqui, na Academia das Ciências de Lisboa, participando [foram José Luís Fontenla e António Gil Hernández] como ‘Delegação de Observadores da Galiza’. Paz-Andrade era consciente, portanto, da necessidade de decidir em comum a ortografia da nossa língua, deixando atrás a etapa das políticas unilaterais”, assinala Cristóvão.

No discurso defendeu o princípio de que “a unidade da língua é compatível com a diversidade de normas nacionais, é necessária alguma flexibilidade para a incorporação de uma Galiza que andou por uma diáspora secular e agora está tentando encontrar o seu espaço no mundo da língua portuguesa, em cuja criação foi determinante há vários séculos”. Finalizou a sua intervenção afirmando que “é preciso ir ao encontro de projetos integradores, onde todos tenhamos um espaço institucional reconhecido tanto na Galiza como no exterior e, portanto, uma possibilidade para contribuir eficazmente ao conjunto. É preciso um esforço para ultrapassar as divisões do passado. Estamos disponíveis para essa tarefa e, com a ajuda de todos os presentes, estou certo de que se poderá conseguir”. 

 Do Návia ao Mondego, semente da Língua Portuguesa

O discurso de Isaac Alonso Estraviz, também professor da Universidade de Vigo e quem foi o primeiro Vice-Presidente da AGLP, ocupa as páginas 201-213 da publicação da ACL e está subordinado ao título Do Návia ao Mondego, semente da Língua Portuguesa. É este um título que ele justifica “para estabelecer os limites de um rio a outro”, entre o território das Astúrias de fala galega e as proximidades de Coimbra, que considera o berço da Língua Comum. Analisou na sua intervenção posicionamentos a respeito da Língua Comum de figuras clássicas portuguesas como o historiador João de Barros (1496-1570); Fernão de Oliveira (1507-1581), canonizado como o primeiro gramático português; ou Duarte Nunes de Leão (1530-1608), também valorizado na atualidade como gramático de referência na História da Língua Comum.

Estraviz, autor do dicionário que leva o seu nome, e que consta de mais de 151.260 verbetes, ocupou-se igualmente de algum léxico utilizado por esses três vultos da História de Portugal, e questionou que Galego e Português possam ser consideradas línguas diferentes. Afirmou: “Toda língua é elaborada através de uma escolha de variantes igualmente válidas e legítimas para constituir a língua padrão. Podemos comprovar através desses gramáticos como o que um considera legítimo outro o considera um erro. Mas muitas vezes o que é considerado espúrio ilegítimo, andando o tempo faz-se legítimo gramaticalmente e o verdadeiramente legítimo passa a antiquado ou incorreto. Isto pode ver-se justamente através de algumas variantes que escolhi, comuns na Galiza e Portugal e a maioria ainda hoje vivas em ambos territórios. O correto e o incorreto, o elegante e o deselegante, são totalmente arbitrários”.

No final da sua intervenção sublinhou como “ao propor-me elaborar um dicionário com o léxico da Galiza dei-lhe o nome de Dicionário de Português da Galiza. O léxico recolhido aqui na Galiza é o mesmo que se emprega em todo o norte de Portugal e mesmo na Beira, na Estremadura e no Algarve. Os clássicos portugueses, Camões e Gil Vicente, e os modernos como Camilo Castelo Branco e Torga, etc., são mais galegos nos seus escritos do que portugueses lisboetas”. Salientou como o dicionário da ACL está a incorporar léxico valioso, mesmo localismos que não se estavam a considerar. A respeito do Dicionário Estraviz, ou Dicionário do Português da Galiza, afirmou que “é um dicionário para todos os que têm como língua o português”.

 A irmandade da Língua Comum

Assim como Alonso Estraviz, Cristóvão Angueira e Montero Santalha foram acolhidos na ACL, também pessoas de outros países lusófonos pertencem como membros correspondentes à AGLP, dentro de uma irmandade que favorece a Língua Comum. Esse é o caso de Adriano Moreira, João Malaca Casteleiro (hoje ambos falecidos) e Eugénio Anacoreta Correia, de Portugal; José Chrys Chrystello, dos Açores; Evanildo Cavalcante BecharaEvandro Vieira Ouriques, Gilvan Müller de Oliveira, Paulo Soriano e Adrienne Kátia Savazoni Morelato, do Brasil; Irene Alexandra da Silva Neto, de Angola e Inocência Mata, de São Tomé e Príncipe.

 

 

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